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Foto do escritorLeonardo Dias

ILHA: Um manifesto ou coisa que o valha

"Viva a Ilha!"


Por Leo Dias (idealizador do projeto)


"Ilha - Pesquisa em Tap é uma metáfora para o desejo de pesquisar o sapateado americano através de quaisquer enfoques possíveis, produzindo conhecimentos que venham a aumentar nosso entendimento da forma de arte, aprofundando nosso conhecimento de seu passado e fomentando, através da reflexão, a sua permanente renovação. Ela é um convite franco e democrático a parcerias com quem quer que ame o sapateado a ponto de desejar estudá-lo. No plano concreto, desejamos produzir, fomentar e compilar produções teóricas e artísticas de sapateadores que nos dêem a honra de ser nossos parceiros.

A Ilha é uma declaração de amor e gratidão ao Tap e um convite aos amigos do sapateado a partilhar desses sentimentos!"


No começo da década de 2000 - acho que foi 2003 ou 2004 - conheci Valéria Pinheiro.

Se você ama o sapateado como eu e já teve essa oportunidade, sabe que conhecê-la é um divisor de águas em vários sentidos. Já o foi, para mim, na época. Talvez só hoje (escrevo este texto no verão de 2019) eu tenha a medida de o quanto.

Foi no Festival de Dança de Joinville. Fui aluno de um curso dela por lá. Na saída de uma das aulas tive a oportunidade de trocar algumas palavras com ela e, em dado momento, ocorreu um diálogo mais ou menos assim. Eu disse:

- É difícil para o pessoal de Porto Alegre! A informação fica concentrada no eixo Rio-São Paulo, e é complicado e caro para o pessoal de lá fazer esse deslocamento o tempo todo! A gente se sente... ilhado!

Ela me olhou no meio dos olhos e disse:

- Viva a Ilha!

A quantidade de vezes em que retornei a esta frasezinha singela, encontrando nela novos significados e conotações, é incontável. De lá pra cá amadureci o suficiente para perceber que peso ela tinha vindo de quem veio - uma artista incrível que, tendo como ponto de partida uma arte de raiz norte-americana, inventou destemidamente sua própria voz, tão brasileira e tão autêntica. Uma pensadora da dança que, com pés firmemente cravados em seu próprio chão, procura falar de seu canto do universo, de sua vivência, das belezas e injustiças de seu lugar no planeta, através desses sapatos que tanto de nós aprendemos a respeitar.

Desde então, tive o privilégio de encontrar a mestra aqui e ali dentro das sazonalidades características do sapateado brasileiro. O Brasil mudou! Passagens aéreas, por exemplo, se tornaram mais acessíveis, a vida permitiu que meu contato com o eixo Rio-Sampa (que, ainda hoje, concentra grande parte do movimento em torno do sapateado no Brasil) se tornasse mais frequente. Além disso, novas sementes cresceram, fincaram raízes firmes, frutificaram, graças ao trabalho de alguns corajosos empreendedores da arte. Acompanhei muito de perto, também, as idas e vindas do sapateado aqui no Rio Grande do Sul, e tive a alegria de ver e ser parte de muita coisa bonita que por aqui tem rolado.

O tempo passou. A frase da mestra decantou e sedimentou-se dentro de mim com o seguinte significado: "busca o teu caminho, que é só teu. O que tu tens a dizer com teus sapatos, só a ti caberá dizer. Encontra tua voz dentro deste universo gigantesco e maravilhoso que é o tap dance, e esteja feliz, confortável com ela. Sem medo!"

Mais recentemente, perdi meu "lar da infância". O Laboratório da Dança, escola em que cresci e onde tive minha primeira formação profissional como artista de sapateado americano (sempre serei grato à minha primeira profe, parceira de trabalho e prima, a Isabel Willadino), lugar que durante muito tempo foi meu verdadeiro lar, e que acolheu livremente o experimentalismo e o autodidatismo que me obriguei a adotar (coisas de "ilhado") fechou as portas. Para além da tristeza trazida por este acontecimento (que é, em alguma medida, também a tristeza do tempo que ora vivemos) surgiu a necessidade urgente de dar um novo centro aos muitos desejos e reflexões que o sapateado trouxe e ainda traz à minha vida. Estes estavam amorosamente acalentados e acarinhados no seio do Lab, e por isso cresceram saudáveis e são fortes! Mas tornou-se necessário dar a eles uma identidade nova, que trouxesse dentro de si tudo que foi aprendido, mas também apontasse para um futuro onde o leme desses anseios e ideias estivesse - está - mais claramente em minhas mãos.

Eis que do movimento de todas essas placas tectônicas, nasce ILHA - Pesquisa em Tap.

A Ilha não é (e provavelmente nunca será, but who knows?) um espaço físico. É antes de tudo, um convite. Um lugar imaginário onde possam brotar e frutificar ideias que me são caras:

1) Sapateado é conhecimento, e é também autoconhecimento. É uma via para o conhecer-se, e também para o comunicar-se, além de janela para a compreensão do mundo.

2) Sapateado é uma arte democrática e universal, no sentido mais abrangente que estas palavras (tão massacradas hoje em dia) possam vir a ter.

3) O Sapateado tem um passado feito de pessoas reais, de vidas reais. Este passado precisa ser conhecido e amado, para que se possa viver um agora pleno e ter criatividade para vislumbrar o porvir sem a ilusão da "novidade" que não tem raiz.

De alguma praia na Ilha contemplo todas essas ideias ao pôr do sol... mas não apenas contemplo! A Ilha tem portos em todas as suas praias, e tem em sua principal vocação convidar sapateadores e artistas afins a partilhar e celebrar sob as estrelas, sempre levando consigo algo de bom em sua partida, sempre deixando também algo de belo. A Ilha é um lugar de interação... e de trabalho. A partir dela, que se construa, de forma colaborativa, conhecimento, oportunidades de convívio e crescimento pessoal... em suma, arte! Seja a Ilha um cantinho do mundo onde os deuses do sapateado permitam que sapateadores convivam e produzam, em formas que só o Sol que se põe em suas praias poderá antecipar.

Gracias a la vida que me ha dado tanto e BORA TRABALHAR!

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